segunda-feira, 12 de novembro de 2012

NIETZSCHE E DOSTOIÉVSKI: considerações sobre a dimensão apocalíptica do homem em Memórias do subsolo

Luís Augusto Ferreira Saraiva Resumo O presente artigo tem por objetivo relacionar o homem paradoxo encontrado em Memórias do subsolo de Fiódor Dostoiévski com a real condição do homem extraído da Genealogia da moral de Friedrich Nietzche. Palavra- chave: Nietzsche. Dostoiéski. Memórias do subsolo. Genealogia da moral Résumé: Le present article vise à relier le paradoxe homme dans les Notes de souterrain del Fiodor Dostoïevski avec la condition réelle de l'homme extrait de la Généalogie de la morale de Friedrich Nietzsche. Mot-clé : Nietzsche. Dostoiéski. Memórias do subsolo. Genealogia da moral 1. INTRODUÇÃO Escrito na cabeceira de morte de sua primeira mulher, numa situação de aguda necessidade finaceira, Memórias do subsolo condensa um dos momentos importantes da literatura mundial, reunindo vários temas que reaparecerão mais tarde nos últimos grandes romances do escritor russo, fazendo do autor o precurssor da melhor prosa modernista, criando uma nova perpectiva para a literatura a qual esta narrativa lança questionamentos sobre a natureza humana. Aqui, quando emerge o funcionário público doente dos rins aparece o diálogo com a filosofia Nietzcheana que detecta alguns pontos das origens dos valores morais. O filosofo ressalta a inversão sofrida dos valores pelas influências que se prendem com força aprofundando-se, justamente, no estudo da palavra bom e, consequentemente, da palavra mau. E Dostoievski inicia sua obra dizendo: “Sou um homem doente... um homem mau”. 2. A VOZ DO HOMEM DO SUBSOLO "Memórias do Subsolo" é um romance irreverente e, subjetivamente, esdrúxulo de Fiódor Dostoiévski. Trata-se das lembranças de um trabalhador russo civil, aposentado, que reside no subsolo de um edifício em São Petersburgo, Rússia, de 40 anos de idade, do qual declara que seja praticamente toda a vida. “Já faz muito tempo que vivo assim: uns vinte anos. Tenho quarenta, agora. Já estive empregado, atualmente não. Fui um funcionário maldoso, grosseiro, e encontrava prazer nisso. Não aceitava gratificações; no entanto, devia premiar-me ao menos desse modo [...]” . O livro divide-se em duas partes, cada qual intitulada de "O Subsolo" e "A Propósito da neve molhada" e há também algumas páginas de introdução procedidas pelo tradutor Bóris S. No decorrer do livro, ele se apresenta bastante ácido, raivoso, petulante, amargo. O personagem e ao mesmo tempo narrador mostra-se muito deprimido, desencantado, depressivo, com baixa autoestima, embora, peculiarmente, não pareça. É teimoso, e não se importa com os sentimentos alheios. Vive só, "em um buraco", como ele mesmo descreve, com seu empregado. Dostoiévski demonstra a personalidade, em certos trechos, do personagem, mas nunca menciona seu nome, embora seja reconhecido como o "Homem Subterrâneo". Na primeira parte, Fiódor explana e teoriza os ideais do personagem. Apresenta e os descreve, quase que como num diálogo entre leitor e narrador, pois em vários momentos, o "Homem Subterrâneo" tenta, e por vezes consegue, deduzir quais são as opiniões do leitor, comentários, ideias, pensamentos. Ele, basicamente, descreve nosso personagem, seus tempos no trabalho, suas doenças, misticismos, suas filosofias, seu estranho gosto pela maldade, ruindade, mas que ao mesmo tempo o atormentam. O "Homem Subterrâneo" tem certa gana por detestar e embotar tudo, é o típico pessimista. Por vezes ele fica até indeciso, perante sua condição. Atormenta-se por ser o que é ao extremo de impedi-lo de dormir. Somente na segunda parte, é que surgem as memórias, a história em si, propriamente dita. Onde há os personagens, os fatos, e as ações sequenciais dos mesmos. Os episódios que o personagem/narrador conta nada mais são do que fatos de sua vida, passagens de sua triste existência, que necessitam ser transpassados ao papel, pois de tanto o remoer, precisa livrar-se delas, numa forma estranha de alívio. E somente por isso é que os coloca no papel. Nuances de sua infância a sua própria rotina é apresentada ao leitor. Particularmente, ele teima em ser mau, mas sabe que no íntimo não é, e de certo modo isto o incomoda, pois ele tenta "modificar" suas atitudes mais corriqueiras, mas não o faz com sucesso e logo retroage, o "Homem Subterrâneo" chega a ser irônico. 3. OS VALORES SEGUNDO NIETZSCHE Ao se questionar a cerca da origem do bem e do mal Nietzsche escreve a genealogia da moral com o intuito de elaborar uma crítica ao elemento de afirmação pelo qual se move o pensamento apresentando um início diferenciado, que vai além de afirmar a perda de um referencial, Deus, mas que chega até a afirmação de uma diferença que se origina nas forças ativas e nas forças reativas. Duas aplicações para que a Moral tenha se originado por aquilo que é útil, as ações altruístas foram louvadas e reputadas boas por aqueles a quem eram úteis. Entretanto, a origem de tais ações acaba por ser esquecida, adquirindo ações altruístas através do costume da linguagem, como se as coisas fossem boas em si mesmas. Essa é a segunda aplicação. Para Nietzsche não há nada que seja bom em si mesmo. O conceito de ‘bom’ se dá por aqueles que, através de uma prática, consideraram determinada ação como boa. É contra esse utilitarismo que Nietzsche luta. O utilitarismo não entra em sua moral. “[...], que estabelece um conceito “bom” como essencialmente igual a “útil”, “conveniente”, de modo que nos conceitos “bom” e “ruim” a humanidade teria sumariado e sancionado justamente as suas experiências inesquecidas e inesquecíveis acerca do útil-conveniente e do nocivo-inconveniente”. Toda essa conceptualização do ‘bom’ e do ‘mau’, originada na antítese da divisão das classes sociais, nasce, justamente, do pensamento de que o homem é um ser dominante. Isso está inteiramente intrínseco em seus instintos. No instinto de dominação é que a genealogia da moral encontrou sua real expressão. Os valores que o filosofo propõem aparecem criticamente na obra do escrito russo, viver em meio ao subsolo representa o reflexo do homem naquilo que a história o deixou de herança a crueldade segundo Nietzsche fala: “[...], a crescente espiritualização e “divinização” da crueldade, atravessa toda a história da cultura superior (e até mesmo a construir, num sentido significativo).” (NIETZSCHE. p. 51). Assim, concretiza-se o perfil do homem subterrâneo vitima das suas condições existências e possuidor de um comportamento relativo ao espirito de vingança em uma atitude maquinal de usar o próprio corpo como fuga das regras da sociedade moderna. 4. A MORAL DO SUBSOLO Agora investigaremos mais a fundo a relação desses dois autores, visto que aqui não se trata de um sistema abstrato, como se esperaria de um artista. A obra de Dostoievski, além de artística, é perpassada por uma intuição intelectual, por um senso filosófico genial. Sua obra, podemos dizer, é uma ciência do espírito. Espirito este que vem assessorar o sentimento de escravo e a condição servil juntamente com a negação do prazer e o afastamento da condição corporal. “No senhor há verdade, mas não há pureza; por motivo da mais mesquinha vaidade, traz a sua verdade a mostra, conduzindo-a para a ignomía, para a feira... Realmente quer dizer algo, no entanto, por temor, oculta sua palavra derradeira, porque não tem suficiente decisão para dizê-la [...]”. (DOSTOIÉVSKI. p.52) Acima, vimos que no subsolo existe uma condição servil de um homem mal a qual a pureza inexistente e decorrente de uma aceitação da humilhação da moral de escravo, uma espécie de desconforto que reflete à partir de uma destruição do homem pelo homem, desta forma a intensificação da vida começa a não mais caber dentro de uma lógica de sensibilidade e sim em um ângulo de sobrevivência afastando-se de todos para que a ideia de bem/ mal seja universal e preencha todo o subsolo. Tudo isso explica porque o homem só consegue pensar em relação ao pensamento de outros. O bom é aquilo que o homem achou útil para si, vindo do outro. A utilidade mesquinha, a referência a outros para pensar e agir torna-se, para Nietzsche, uma origem marcada de uma inércia duvidosa e de um hábito sem graça. Isso somente distancia o homem daquilo que é realmente autêntico. Por isso encontramos uma relação ainda maior com a mentalidade do narrador-personagem e o seu discurso alucinado, sua veemência desordenada, o fluxo continuo de sua fala para justificar a sua vida intima dentro do Subsolo. 5. CONCLUSÃO Com sua obra, Nietzsche não só demonstra um gênio perturbado com as relações dos homens, mas também nos perturba, levando-nos a questionar os laços relacionais que todos temos. Dostoiévski concebe a inversão dessa máquina apresentado o homem já perturbado e longe de salvação, o corpo encontrado em Nietzsche comporta-se como habitação para as memórias, que nada tem de antigas, de Dostoiévski apresentando uma ética no campo do bem e do mal fundamental e decisiva procurando mostrar o mal com o mal como forma de se chegar em um bem maior. Na minha concepção ao ler tais obras existe uma possibilidade de consciência que permeia o âmbito das relações entre os homens, àquilo que é mal ou aquilo que é bom, não chega perto daquilo propriamente dito é mal e é bom, só assim corpo daquele que vive no subsolo pode permanecer em uma condição de realidade. Essa condição apocalíptica do homem que aparece em memórias do subsolo julga não um fim, mas um início especial da moral. REFERÊNCIAS DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Memórias do Subsolo. São Paulo: Editora 34, 2000. NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Genealogia da moral: uma polêmica. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

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